Por razões que aqui não importa aduzir, tenho mantido neste
espaço absoluto silêncio sobre a polémica instalada na sociedade sobre se os
contribuintes irão ser ou não chamados a pagar custos da resolução do BES. Mas
como o Governo e seus seguidores políticos, mesmo com o descalabro à frente dos olhos, continuam atolados em trapalhadas e aldrabices sobre o assunto, e o Banco de Portugal,
que devia falar, está calado que nem um rato, não resisti a abordar o tema
sob uma perspetiva mais fundamentada e objetiva pelo que aqui ficam alguns detalhes
acrescentados com algumas convicções pessoais.
O art.º 91º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro que está em vigor, reza assim “1 -A superintendência do mercado monetário, financeiro e cambial, e
designadamente a coordenação da atividade dos agentes do mercado com a política
económica e social do Governo, compete ao Ministro das Finanças. 2 -
Quando nos mercados monetário, financeiro e cambial se verifique perturbação
que ponha em grave perigo a economia nacional, poderá o Governo, por
portaria conjunta do Primeiro‐Ministro e do Ministro das Finanças, e ouvido o Banco de Portugal, ordenar as
medidas apropriadas, nomeadamente a suspensão temporária de mercados
determinados ou de certas categorias de operações, ou ainda o encerramento
temporário de instituições de crédito”. Refiro
este diploma porque é uma Lei da República cujo cumprimento me suscita dúvidas
no caso da resolução do BES (os sublinhados são meus).
O Fundo de Resolução foi criado pelo Decreto-Lei
nº 31-A/2012, de 10 de fevereiro por imposição da Comissão Europeia, e tem
por objeto principal a prestação de apoio financeiro à aplicação de medidas de
resolução adotadas pelo Banco de Portugal a Instituições Financeiras
(Instituições de Crédito + Sociedades Financeiras). Paradoxalmente esta Lei conflitua
com algum do clausulado da Lei de 1992 acima, mantendo-se as duas em vigor.
O Fundo foi
regulamentado pela Portaria
nº 420/2012, de 21 de dezembro que aprova o Regulamento do Fundo de
Resolução, em cujo artº 2º está expresso: - “O
Fundo de Resolução é uma pessoa coletiva de
direito público , dotada de autonomia administrativa e financeira”.
Enfatizo o “de direito público” porque
é relevante, uma vez que a sua Conta de Exploração entra para as Conta do
Estado, cujo Orçamento é suportado pelos impostos cobrados no país aos cidadãos
e às empresas.
Teoricamente o Fundo é financiado com contribuições obrigatórias
do Sistema Bancário Português, sendo as suas receitas de quatro tipologias,
conforme quadro I abaixo:
- O da própria constituição, equiparado ao Capital
Social das Sociedades Comerciais, para a qual contribuíram as Instituições
Financeiras (13.620.300€);
- As contribuições periódicas das Instituições
Financeiras (76.752.300€ em 2 anos, 2013 e 2014);
- Contribuições (Impostos) sobre as Instituições
Financeiras (287.210.400€, em 2 anos, 2013 e 2014);
- Rendimentos de Aplicações Financeiras (resultado da Gestão de Tesouraria do Fundo).
(Quadro I – clique para ampliar)
Como é fácil concluir do quadro acima,
quando em agosto de 2014 foi tomada a decisão, - formalmente pelo Banco
de Portugal, mas informalmente concertada com o Governo e com o BCE, – de resolver
o BES, o Fundo teria de capitais próprios pouco mais de
370 milhões de Euros, contra os 4.900 milhões que foram necessários para
capitalizar o Novo Banco. Mas do quadro é também fácil de concluir mais duas outras
coisas:
- A contribuição periódica das Instituições Financeiras ronda os 40
milhões/ano;
- Os cerca de 145 milhões de Impostos anuais das IC canalizados para o
Fundo são verbas que, tal como os nossos impostos deveriam ser canalizadas para
o Orçamento de Estado. Sendo canalizadas diretamente para o Fundo são mais 145
milhões com que todos temos que contribuir para o OE. Só neste pormenor nós, os contribuintes, já estamos a
pagar, porque a filosofia dos Impostos é coletiva na cobrança e
redistributiva na aplicação (gasto). Ora, tal como se está a tratar este caso
particular, é como se as clínicas médicas, os gabinetes de advogados, as
empresas de Táxis, etc. pagassem um imposto de que só beneficiariam os que de
entre cada atividade tivessem problemas de solvência ou mesmo de sobrevivência.
O quadro II reflete o que foi escriturado na Contabilidade do Fundo em
2014 depois de capitalizado o Novo Banco:
- Pediu um empréstimo ao Estado (leia-se Tesouro Público) de 3.900
milhões de Euros;
- Pediu um empréstimo às Instituições Financeiras participantes no
Fundo de 700 milhões;
- Pediu um adiantamento ao Estado de 635 milhões, que devolveu no
mesmo ano;
- A soma dos 3.900 milhões do Tesouro, com os 700 milhões das
Instituições, mais os 300 milhões que o Fundo tinha em “caixa” somam os 4.900
milhões que foram para capitalizar o Novo Banco.
(Quadro II – clique para ampliar)
Com esta operação o Fundo ficou endividado em 4.600 milhões
de Euros, conforme quadro III.
(Quadro III – clique para ampliar)
Bom, se mais não houvesse, já há aqui pano para mangas para
desmontar a falácia que nos andam a vender de que “não haverá custos para os
Contribuintes”. Desde logo o 145 milhões anuais de Impostos do Setor Financeiro
que se não fossem para o Fundo iam para o Orçamento de Estado e aliviavam a
carga fiscal sobre os restantes contribuintes.
Mas estes 145 milhões são uma gota de água neste oceano de
águas muito encapeladas. Façamos só as seguintes análises:
- Já passa de um ano que a situação financeira do Fundo se
mantém devedora de 4.600 milhões, valor que em qualquer empresa privada já
tinha, há muito, conduzido à sua falência;
- Só com a venda do Novo Banco é que o Fundo recuperará o
capital que nele colocou (4.900 milhões), mas apenas e só na exata medida do valor
da venda que venha a ocorrer, que tendencialmente será com bastante prejuízo e, havendo prejuízo, apenas recuperará parte do capital;
- Segundo os Jornais da especialidade a melhor oferta que
existiu na tentativa de venda falhada terá sido de 3.500 milhões, o que
configurava um prejuízo para o Fundo de 1.400 milhões;
- Além de necessitar de ser recapitalizado o Novo Banco,
devido à sua natureza de “banco de transição”, todos os meses perde valor, pelo
que aquilo que não se conseguiu, ou não se quis, vender por 3.500 milhões,
dificilmente se venderá mais tarde por um valor superior;
- O Setor Financeiro está com lucros de 468 milhões no 1º
semestre de 2015, valor irrisório face aos muitos milhares de milhões em
capitais sociais que gerem, capitais que pertencem aos acionistas que têm o
direito de exigir dividendos compatíveis com o capital acionista que nele
colocaram, pelo que um eventual esforço de aumento da contribuição para o Fundo
que lhe venha a ser exigido o colocará facilmente de novo nos prejuízos e em apuros;
- Só os Juros dos 4.600 milhões da dívida do Fundo (3.900 ao
Tesouro e 700 aos Bancos) - leia-se dívida das Instituições de Crédito, segundo
a tal teoria do Governo -, a uma taxa de 3%, rondarão os 140 milhões/ano, que
até agora não se sabe quem paga, se o Novo Banco, se os Bancos, se os
Contribuintes. Se ninguém pagar é dividia que fica por pagar ao Estado, logo
aos contribuintes.
- Acontece que isto dos juros nem sequer é um grande problema se
comparado com a necessidade absoluta de amortização dos 4.600 milhões. Admitindo, numa
situação otimista, que o Banco de Portugal vai conseguir vender o Novo Banco
pelos 3.500 milhões que agora rejeitou, e admitindo também que o diferencial
entre a dívida e o valor da venda possa ser amortizado em 10 anos, é preciso
que os Bancos entrem para o Fundo com 140 milhões por ano, sem contar com juros
da dívida anualmente remanescente. E ocorre que ao fim de 10 anos o Fundo está
na estaca zero, se não mesmo com Conta de Exploração Negativa caso o Tesouro
cobre juros do empréstimo. E aqui está outra
potencial entrada dos contribuintes pagantes porque se forem perdoados os
juros, é dinheiro que não entra para o Orçamento do Estado em prejuízo dos mesmos
de sempre. Se não forem perdoados acabaremos por ter que pagar a resolução de
outros Bancos porque no estado anémico em que se encontram os Bancos e a
Economia, os Bancos não aguentarão um esforço financeiro acrescido de maior
contribuição para o Fundo.
Ainda é muito cedo para fazer previsões sobre como é que
este processo vai acabar, mas bem não será certamente, porque além das questões
financeiras diretas que envolvem o Fundo, o Banco de Portugal, o Governo e os
Bancos, há ainda a considerar os efeitos colaterais das centenas de processos
judiciais que já estão em curso e outros que se configuram no horizonte
próximo, cujos custos para os contribuintes são inegáveis, desde os custos da
Justiça para os administrar, que saem do Orçamento do Estado, passando pelo
entupimento dos Tribunais que irão dar prioridade a estes processos e deixar os
do cidadão comum para as calendas, até às possíveis condenações do Estado
Português em instâncias internacionais, cujo pagamento sairá também do
Orçamento do Estado, logo dos contribuintes.
Na minha perspetiva o Governo, o BCE e o Banco de Portugal
meteram-se numa grande embrulhada ao se decidirem por uma aventura
experimentalista, nunca antes aplicada na Europa, a da Resolução em vez de, já
com uma nova Gestão, que o BES já tinha em funções, recorrerem a parte da
parcela dos 11.000 milhões do empréstimo da Troika específico para intervenção
nos bancos portugueses, tal como se fez no MBCP, no BPI, no BANIF e na CGD.
Posto isto, ainda alguém, que pense pela sua cabeça, pode acreditar que no
final desta “história”, que nos tem andado a ser muito mal contada, e ainda hoje reafirmada pelo Senhor Primeiro Ministro, os contribuintes
não vão pagar de alguma forma? Quer venha a ser de forma direta, quer de forma
indireta, seremos os mesmos de sempre a pagar, e com língua de palmo.
Quem tiver dúvidas sobre os números aqui expressos pode
confirmá-los nos Relatórios e Contas no sítio do Próprio Fundo aqui:
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