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sábado, 16 de março de 2013

De Volta aos Caixotes



Por volta de 1965, vivia e trabalhava em Almada. Trabalhava de dia, na restauração, e estudava à noite na Escola Comercial e Industrial Emídio Navarro, no Curso Comercial, o único que à data tinha ensino noturno.

À época, a vida não era nada fácil de ser vivida no país e a Almada de então não era exceção. O comércio era débil. Não havia grandes industrias, e as poucas que havia, como a da cortiça, estavam em decadência acelerada e apesar da Lisnave e do H Parry & Son darem alguma importante empregabilidade, esta não dava para todos e nem todos podiam trabalhar na “ferrugem”, pelo que se procurava modo de vida fora do concelho, sobretudo na capital, resultando assim que Almada era, como em grande parte ainda hoje é, um grande dormitório de Lisboa.

Apesar de o desemprego não se comparar aos números de hoje, havia muito subemprego, as jornas e os salários eram muito baixos e grande parte das famílias vivia com muitas dificuldades. A juntar às dificuldades endógenas à vila, estávamos na época de plena debandada do interior para o litoral o que tornava a subsistência ainda mais difícil, sobretudo para quem chegava de mãos a abanar, ou, como se dizia, “com uma mão atrás e outra à frente”, o que traduzido em modo e qualidade de vida significava que a pobreza e a fome não eram ficção, existiam mesmo.

Recordo-me, e ainda hoje me impressiono quando o relembro, de sair da Emídio Navarro às 23h00 e alguns dias à meia noite e no curto percurso de três ruas que tinha que percorrer a pé (Barros Queiroz, Olivença e D. João I) me deparar, diariamente, com gente, muitas vezes família completa de pai, mãe e filhos que, acoitados da vergonha pelas sobras da noite, competiam com os cães no assalto aos conteúdos dos caixotes do lixo, antes que o carro da Câmara passasse a esvaziá-los. Das inúmeras vezes que testemunhei este degradante espetáculo posso assegurar que as pessoas, munidas de sacos, procuravam restos de comida para se alimentarem, a par de algum utensílio doméstico, jogado no lixo por alguém mais abastado, e que pudesse ser trocado no ferro velho por alguns tostões. Lutava-se pela susbsitência.

Os anos passaram e, como percurso natural da Humanidade, as condições de vida sempre foram melhorando, ao ponto de no final da década de 70 esta prática ter deixado de ser presenciada.

Hoje já não moro em Almada, mas continuo no Concelho, na freguesia da Sobreda (uma das que está em extinção) há mais de 30 anos. Vila pacata, em tempos cheia de vida e de juventude, com alguns bairros novos, de classe média (também em vias de extinção), que convivem para a par com a “Sobreda Velha” num contraste de vida e de necessidades. Neste contraste, também de pessoas de estratos e de gerações, perscruta-se no ar que algo mudou nestes últimos tempos. Pressente-se no “modus vivendi” dos cidadãos que, de novo, a pobreza está de volta, pobreza já observável nas famílias com desempregados de longa duração (sem qualquer apoio social e esperança de empregabilidade) e nos reformados. Quem conhece o meio facilmente conclui que quem está a ser mais afetado é gente a quem a idade e o trabalho vergou o corpo e agora está sendo vergada na sua dignidade pelo sofrimento que injustamente o Estado Português, através dos seus atuais governantes, está a infligir a todo um Povo em desespero, e que atinge com mais intensidade os mais indefesos, que são os idosos e as crianças.

A situação configura-se já de difícil dissimulação, diria mesmo de alguma gravidade social, ao ponto de na passada semana, numa das raras e curtas saídas noturnas que já faço, ter deparado com um casal de idosos, secundado por dois cachorros, em luta pela abertura dos sacos que se encontravam dentro de um contentor de lixo e, estupefacto, perguntei-me: - Como é isto possível, meu Deus? De que gravidade foram os pecados que cometeu este Povo, para estar a ser castigado desta forma?Que insensíveis governantes são estes, que em menos de dois anos lhe estraçalharam a dignidade de seres humanos e o fizeram recuar quase meio século  ao ponto de, neste país, haver cidadãos de volta aos caixotes?

1 comentário:

  1. Caro Amilcar,

    Parabens pelo seu blog e seja bem vindo ao mundo dos indignados em luta por justiça, direitos económicos e sociais, de um povo que dia a dia se encontra cada vez mais em decadência.

    Um abraço

    Carlos Piteira

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