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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Dia em que Acabou a Crise

(Concha Caballero ***)

Hoje abdiquei de expressar a minha opinião e não resisti a transcrever neste espaço um artigo da espanhola Concha Caballero.

Trata-se de uma artigo escrito e publicado já em meados do corrente ano, mas que mantém toda a sua atualidade (ou terá mesmo mais), toda a sua perspicácia e toda a sua objetividade. Não deixem de ler.

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Título: - O Dia em que acabou a crise.

Subtítulo: - Quando terminar a recessão teremos perdido 30 anos de direitos e salários.

Um dia no ano 2014 vamos acordar e vão anunciar-nos que a crise terminou. Correrão rios de tinta escrita com as nossas dores, celebrarão o fim do pesadelo, vão fazer-nos crer que o perigo passou embora nos advirtam que continua a haver sintomas de debilidade e que é necessário ser muito prudente para evitar recaídas. Conseguirão que respiremos aliviados, que celebremos o acontecimento, que dispamos a atitude critica contra os poderes e prometerão que, pouco a pouco, a tranquilidade voltará à nossas vidas.

Um dia no ano 2014, a crise terminará oficialmente e ficaremos com cara de tolos agradecidos, darão por boas as politicas de ajuste e voltarão a dar corda ao carrocel da economia. Obviamente a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta mas essa ameaça nunca foi publicada nem difundida e os que de verdade dominam o mundo terão posto um ponto final a esta crise fraudulenta (metade realidade, metade ficção), cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objetivos foram claros e contundentes:

Fazer-nos retroceder 30 anos em direitos e em salários

Um dia no ano 2014, quando os salários tiverem descido a níveis terceiro-mundistas; quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o fator determinante do produto; quando tiverem feito ajoelhar todas as profissões para que os seus saberes caibam numa folha de pagamento miserável; quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuserem de uma reserva de uns milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e maleáveis para fugir ao inferno do desespero, então a crise terá terminado.

Um dia do ano 2014, quando os alunos chegarem às aulas e se tenha conseguido expulsar do sistema educativo 30% dos estudantes sem deixar rastro visível da façanha; quando a saúde se compre e não se ofereça; quando o estado da nossa saúde se pareça com o da nossa conta bancária; quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada benefício; quando as pensões forem tardias e raquíticas; quando nos convençam que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, então terá acabado a crise.

Um dia do ano 2014, quando tiverem conseguido nivelar por baixo todos e toda a estrutura social (exceto a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector), pisemos os charcos da escassez ou sintamos o respirar do medo nas nossas costas; quando nos tivermos cansado de nos confrontarmos uns aos outros e se tenham destruído todas as pontes de solidariedade. Então anunciarão que a crise terminou.

Nunca em tão pouco tempo se conseguiu tanto. Somente cinco anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que demoraram séculos a ser conquistados e a estenderem-se. Uma devastação tão brutal da paisagem social só se tinha conseguido na Europa através da guerra.
Ainda que, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as regras, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.

Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente ganharam entraria novamente em disputa.

Neste momento puseram o relógio da história a andar para trás e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques ao novo marco social: Um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de gasto público por ali e “voila”: A sua obra estará concluída.

Quando o calendário marque um qualquer dia do ano 2014, mas as nossas vidas tiverem retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos na rádio as condições da nossa rendição.

(***) - Concha Caballero é licenciada em Filologia Espanhola e professora de literatura num instituto público. Foi a porta-voz do grupo da Esquerda Unida no Parlamento da Andaluzia, e abandonou a politica dececionada com a coligação eleitoral do seu partido. Há anos que passou do exercício da politica ativa para analista e articulista, social e politica, de vários meios de comunicação, com destaque para o EL PAÍS. É uma amante da literatura e firmemente humana com as questões sociais.

Clique no link abaixo e leia o artigo Original em Castelhano

1 comentário:

  1. Mais uma vez nos surpreende, e nos deixa uma uma verdade que a maioria sente, mas que se cala, fomos um povo bravio, de revoluções, de atitudes...o que mais me custa, é o nosso encolher de ombros a nossa resignação!, Nós não éramos assim...a nossa história é feita de homens(mulheres) com coragem...parafraseando a letra de um um fado: Oh gente da minha Terra...onde estais vós? Onde estão aqueles que com a sua sabedoria, conhecimento e provas dadas pelo seu percurso na vida, tinham obrigação de levantar a sua voz e dizer chega! Mas não ...é só silencio, e quem cala consente!

    Mais uma vez, obrigada pelo seu conhecimento, e pela expressão do seu sentir...

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